A Pátria Mãe estava cansada vendo seus filhos levarem tudo de casa. Sempre deu a eles toda a liberdade de escolha, mas também sempre pediu para que tivessem bom coração, bondade, que repartissem o pão, que dividisse a terra e estendessem a mão aos mais necessitados. Vendo que nada disso acontecia, resolveu um dia tomar em suas mãos o direito de fazer Justiça. Passou a distribuir seus bens de maneira progressiva até atingir partes iguais.
Os filhos da pátria, sempre cercados de privilégios viram nesta atitude uma forma de ameaça e descontentes, passaram a insultar a Pátria. A Pátria, no entanto, não atendeu aos apelos e se manteve firme na ideia de favorecer a todos, sem diferença. Os filhos ingratos que sempre tiveram seus pratos fartos, não admitiam em hipótese nenhuma que os filhos sem prato e sem teto tivessem o direito de ter comida e um lugar para morar.
Os filhos pobres da Pátria começaram a descobrir coisas que desconfiavam, mas que nunca antes ouviam falar.
Passaram a entender porque uns tinham muito e outros tinham pouco e outros não tinham nada. Porque alguns trabalhavam, outros especulavam, outros tramavam para ficarem com o bolo que nunca aparecia na festa.
Cansada de tanta desobediência, a Pátria Mãe, que conhecia o ralo por onde escoavam todas as divisas da casa chamou a filha que cuidava da defesa e da segurança da casa e mandou abrir as contas, os contratos, as aplicações e os depósitos para que os filhos pobres pudessem entender melhor aquele estado de coisas. Foi uma espécie de acerto de contas, já que a prole, cansada de tanta exploração e impunidade foram às ruas, numa demonstração pacífica que colocou medo e deixou em alerta os exploradores da Pátria.
A verdade, no entanto, encontrou dificuldade para chegar aos lares, pois para ser revelada dependia de um sistema de comunicação unilateral. Mas as redes sociais se encarregaram de levar estas informações, desmascarando a unilateralidade, revelando a fragilidade do seu principal produto, a credibilidade.
O movimento contra a impunidade só não foi maior por causa da intervenção de (um grupo autodenominado anarquista, mas que não passava de vândalos travestidos de máscaras e se apresentando como Bloco e Lutas, ou Fora do Eixo, que mais atrapalhou do que ajudou, espantando das ruas um movimento democrático com força e organização, nascido das bases de forma ordeira e pacífica. O povo reprovando o vandalismo e a violência, mais uma vez se refugiou em seus lares.
Era a hora de dar um basta e fazer alguma coisa para evitar o retorno de quinhentos anos de regalias ao comando da Pátria. A abertura das investigações, a revelação de nomes, a desapropriação de bens e a prisão de integrantes da elite, amigos ou autodeclarados inimigos da matriarca abriu uma clareira na nebulosa floresta encantada dos negócios e um implacável contra-ataque.
Os filhos pobres aguardam calados, na expectativa de um desfecho que puna os saqueadores e distribua as riquezas de todos, para todos. Manobra ariscada que no final pode incriminar a Pátria Mãe que parece não estar preocupada nem com ela, nem com seus próprios pares. Não importa se o alvo é grande ou pequeno, o que importa é a eficácia e doa a quem doer.